sexta-feira, outubro 26, 2012

Lirismos testiculares

Eu podia deixar aqui um texto sobre o dia de hoje. Podia falar das actividades preparatórias para o TEDxMaia, que estou a ajudar a organizar. Foi um dia cheio, sempre a correr.

Mas hoje também foi o dia em que levei o meu gato, o Gugga, ao "corte".

"Ao corte?"

"Ah! Ao corte! Ok..."

Toda a gente prefere dizer "ao corte", talvez por ser comum a noção de que falar com homens sobre algo que afecta os testículos (neste caso a remoção completa) leva sempre a uma dor invisível, um mau estar que, apesar de não ser físico, é capaz de forçar um esgar de dor a qualquer macho latino.

Como será, ficar sem os ditos?

Como será, para um macho na flor da idade e com as hormonas aos pulos, acordarmos um dia, irmos dar uma volta, adormecermos num sítio estranho e quando acordamos, olhamos para a baixo e... eh láááá... falta aqui qualquer coisa!!!?

Não consigo imaginar. O bicho pode muito bem estar a pensar "mas que mal fiz eu para me tirarem as bolas???".

Ainda tentei perceber, nos poucos miados que dá, se seriam mais suaves que o normal. Nos tempos antigos, não era incomum castrar-se rapazes antes que atingissem a puberdade, para que, com o treino adequado, crescessem para ganhar uma voz idêntica à das sopranos, com uma voz bastante mais aguda que os vulgares cantores masculinos. Relatos destes pobres cantores datam do império Bizantino, e floresceram (será este um termo adequado?) pela Europa até a queda de Constantinopla em 1204, altura em que a cultura europeia deu uma volta.

Ou seja, numa perspectiva muito negra, posso ver o meu gato como um potencial felino lírico.

A verdade é que já havia queixas dos vizinhos, da barulheira que o casal fazia, nas suas brincadeiras, e se ele mia mais fino ou não, não sei, mas o que importa é que fique mais calminho, agora que lhe cortaram à fonte de testosterona. E deixe de afinfar na fêmea, que coitadinha, essa já foi "ao corte" há muito, por isso já nem quer saber.

Sei que se eu acordasse, depois de me terem levado para um local estranho e terem-me cortado os tomates, ficava bem furioso, não demoraria muito a haver mortos e feridos.

E isto num animal que, quando chegou a minha casa no final de Julho, passou 2 dias sem que lhe pusesse a vista em cima, escondido, com medo do sítio novo. Demorou 2 meses a ganhar a confiança mínima para que me deixasse tocá-lo.


O Gugga hoje... quando chegou a casa, depois de o ter ido buscar ao veterinário, saltou para o meu colo e encostou a cabeça à minha barriga, para relaxar e tentar adormecer.


Eu sei que ele, provavelmente, nem se apercebeu. Mas do que não tenho dúvida é que os animais valem bem a pena.

quinta-feira, outubro 18, 2012

Power to the people

Já ouvi várias histórias de carjacking. Tenho amigos que já foram vítimas desse flagelo moderno. Felizmente todos apenas com danos nos carros (que em alguns casos, desapareceram para nunca mais serem vistos).

Na passada 6ª-Feira, fui jantar com amigos ao Cais de Gaia, e após termos ficado na conversa durante algum tempo, dirijo-me para casa. Por ser mais perto e rápido, saio da zona do Cais pela marginal, em direcção à Ponte da Arrábida. 2h30 da madrugada.

Um pouco antes, da ponte, junto a uma zona habitualmente utilizada por roulottes para pernoitar, e também por... casais que não têm dinheiro para motéis (ou até pode ser fetiche, sei lá...), vejo um carro no meio da estrada, e um jovem de pé, ao lado.

O rapaz, novo (20 e poucos) estende os braços, pedindo para que eu pare. Dentro do carro estava uma miúda, da mesma faixa etária. Com um ar cansado, mas não me vou debruçar sobre as causas disso.

Obviamente que me vieram à cabeça todas as histórias já conhecidas.

Carrego no botão de fecho centralizado de portas, e deixo apenas uma frincha na janela, o suficiente para falar. E quando páro ao lado dele, deixo o carro engatado, de forma a sair rapidamente, se for necessário.

O miudo pergunta se tenho cabos de bateria, pois ficaram sem a do seu carro.

É claro que a minha primeira opção foi responder "não", e sair dali antes que saltassem alguns comparsas para me levar o carro. Mas sabia que ao fazer isso, iria ficar a pensar "e se fosse verdade? Negar ajuda a um casalito por medo?". Já seria a 2ª vez nesse dia, pois antes, ao dirigir-me para o emprego, vi o corpo de um gato, basante parecido com a minha MoMA, e como não tinha ferimentos visíveis, pensei em parar para ver se estava vivo. Mesmo que estivesse em sofrimento, podia levá-lo ao vet para morrer em paz. Mas já ia tarde, não quis atrasar-me por causa disso. E fiquei com remorsos no resto do dia.

Peço ao miudo para dar à chave, de modo a comprovar que estava sem bateria. Assim o fez, e de facto o carro não pegava. Isso não invalidaria que saltassem os capangas, mas resolvi arriscar.

Arrumei o carro em frente ao deles, tirei os cabos de bateria que estão sempre na mala do meu, e ajudei-os a arrancar, dando-lhes algumas indicações, já que pelos vistos era a primeira vez que lhes acontecia isto, algo em que já sou veterano (refiro-me ao ficar sem bateria, não a noitadas em carros apertados, em locais obscuros...) E vim à minha vida, são e salvo, e com a sensação de ter feito uma boa acção.


Mas ainda assim, ao chegar a casa ainda pensava "e SE era mesmo carjacking????"...