quarta-feira, janeiro 25, 2012

A morte, quando aparece, é em fato clássico...

A primeira coisa que faço de manhã, quando acordo, é ligar a televisão. Ou melhor, a primeira é desligar o alarme do telemóvel, senão aquilo toca de 10 em 10 minutos. A segunda será, então, ligar a Tv.

Isto desde que se massificaram os canais de notícias em português, como a SIC Notícias ou a RTPN. Antes disso, ligava o rádio.

Gosto de me manter informado, mesmo que desde há uns anos para cá, as notícias sejam, na sua grande maioria, más. E algumas conseguem deixar-me mesmo irritado, nomeadamente tudo o que seja reportagens sobre declarações de políticos ou sindicalistas. Mas adiante.

Habitualmente ligo automaticamente para a SIC Notícias, porque acordo às 7:20, e a essa hora a RTP está a falar de livros ou de como falar bem em Brasileiro. Mas na SIC, pouco depois disso entra um espaço comercial, que se extende até cerca das 7:35, o que me causa estranheza: não teria lógica ter notícias às 7:30? Talvez considerem que muita gente acorda a essa hora, e demora uns minutos a conseguir abrir os olhos, daí só voltarem à emissão um pouco mais tarde...
Bom, mas nesse espaço comercial, entre muitos anúncios banalíssimos, houve um que hoje, me chamou a atenção. Tratou-se de uma publicidade a uma agência funerária.

Uma agência funerária... De seu nome “Agnus Dei”. Louvo o trabalho desta gente, no mínimo é preciso algum estofo para aguentar lidar com cadáveres todos os dias, até fins de semana e feriados. Por outro lado, é daqueles negócios que vai ter sempre mercado!
Mas esta... bom, tratou-se de um mini-anúncio, não mais de 5 segundos, porque a publicidade em televisão é cara.

Pondo de lado a real estratégia ao anunciar uma agência funerária às 7 e tal da manhã, esta chamou-me a atenção pelo símbolo... A agência Agnus Dei utiliza um símbolo com este nome, e um coração no centro. E nos 5 segundos que dura o anúncio, o símbolo surge com o coração a bater.
Isto, no mínimo, parece-me algo desadequado. Um coração a bater para anunciar uma empresa em que os clientes têm-no paradinho, é algo estranho. Pegando num termo do Marketing, qual será o “Insight”? Será uma mensagem subliminar do género “embora trabalhemos com os mortos, estamos bem vivos!”? Será do género “quando o seu coração deixa de bater, conte com o nosso!”?

O raio do anúncio deixou-me algo inquieto. Ou é uma tremenda falta de gosto, ou há ali qualquer mensagem que não entendo.

Mas entretanto, dei-me ao trabalho de ir ver a página da agência (http://www.agenciaagnusdei.com). Lá está o raio do símbolo, mas pelo menos o coraçãozinho está parado. São de Alcabideche, e trabalham também em Tires e São Domingos de Rana. Têm até número verde. Óptimo para quem resolva ir desta para melhor nessa zona.
Há um link para “A Equipa”. É claro que tinha que lá ir.

Entrando neste link, surgem as imagens de vários homens, todos de fatinho e gravata. E o texto que acompanha a página faz questão de explicar o porquê do fato e gravata: “Com fatos clássicos e vestidos a rigor procuramos o equilíbrio da imagem, não desprezando o factor humano de simpatia e atenção...”. Era escusada a descrição provinciana, digo eu, mas é só a minha opinião. Reparo então que todas as 8 fotos são de comerciais e motoristas. Ah, e um técnico de informática. Atrevo-me a dizer que este último numa pose de engatatão. E incluem os nomes completos e locais de residência de todos, o que contribui imenso para a minha felicidade. Assim fico a saber que se eu morrer na zona de Matocheirinhos, há por lá um motorista funerário que rapidamente me leva para a agência.

Os motoristas, ainda vá que não vá, mas são necessários 5 comerciais, entre assistentes e técnicos? Há assim tanta concorrência para apanhar este ou aquele óbito? A minha mente ignóbil rapidamente foge para cenários em que os comerciais da empresa andam pelos campos a envenenar velhinhos para proporcionarem negócio à empresa. É provável que “assistente comercial” seja um sinónimo para “o homem que ajuda a carregar o caixão”.

Mas o que não consigo entender é, se já se deram ao trabalho de colocar fotos dos comerciais e motoristas, porque raios não surge nenhuma foto das pessoas que realmente vão lidar com os falecidos? Para que raios quero saber que o motorista tem ar de Fangio, se não sei se quem vai lidar com o cadáver tem ar de Frankenstein???

Bom, como digo, tenho grande respeito por quem se dedica a esta profissão, como a todas as outras, mas secretamente espero nunca vir a falecer lá para os lados de Alcabideche, essa bela terra que rima com escabeche...

5 comentários:

Anónimo disse...

já mudou...!
"Na procura da excelência e da humildade, esta Equipa vai ajudá-lo nos momentos mais difíceis." - e que difíceis...!

valha-me deuzzee!
não havia necessidade! hum!

ora, e se fosse na Mealhada? cebolada?

abraço,
Monteiro

Anónimo disse...

Ora, então diz-me lá, quem se preocupa com esses entretantos depois de esticar o pernil?ahah - brancadeneve

Anónimo disse...

mito: as funerarias tem sempre clientela
realidade: quem paga o funeral é o cliente (o vivo) e acredite, ha muitas pessoas que depois do funeral já não querem saber de mais nada. há muito mas muito credito mal parado nas agências, e dado ao tipo de "venda" que é, nem todos tem lata de pedir pagamento antes do serviço.

quanto ao provinciano concordo perfeitamente, ha ai muita piroseira meu deus... as descrições técnicas como comercial é normal todos serem comerciais nestas pequenas agencias, todos tem de fazer um pouco de tudo. ha sempre um ou outro mais especializado em tanatoestetica ou tanatopraxia... mas a maioria sabe tratar da papelada e dos passos para tratar do servico.

um funeraria devidamente legal para ter por exemplo 4 funcionarios (incluida alguem para adaministrar e "secretariar") ja tem grandes encargos mensais. estado, fornecedores seguros, frota, manutencoes etc... e tera de ter uma media de 10 servicos mes no minimo, senao so aumentando os preços - dai os funerais serem sempre acima de 1000 euros geralmente.

quando se trata de uma firma como a Servilusa por exemplo, isso sim, tem a menina que trata do relacionamento com as pessoas e a contratacao, outro que trata do corpo, 4 pegam so na urna, etc... mas ai um fun tmb ascende sempre os 2700.
ou em contrapartida faz-se um funeral directo hospital-> cemitério sem cerimónias.

O trabalho relacionado com a morte nunca foi fácil; é inglório, constrangedor, desconfortável perante a família e sociedade e poucos estão dispostos a fazê-lo. É necessário ter um estado emocional compatível com o momento e com as pessoas que na maioria das vezes não nos são directamente relacionadas. Nós fazêmo-lo regularmente, mas nos cemitérios (principalmente de grande dimensão) os funcionários acredito que o façam ainda com mais regularidade, senão várias vezes ao dia.

alguem tem de fazer este trabalho, mesmo que seja uma vala comum.

(Funeraria S. Joao Ltd)

Anónimo disse...

Peço desculpa pelos erros no outro post mas escrevi à pressa...

Andrew disse...

Agradeço o comentário da Funerária S. João. Penso ser bem visível no meu post que não tenho nada contra as funerárias, sendo este, como diz, um daqueles trabalhos que ninguém gosta de fazer (ou a maior parte das pessoas, pelo menos), mas que tem que ser feito.

Aliás, digo mesmo no 5º parágrafo que "louvo o seu trabalho".

O post refere-se apenas e só à estratégia comercial aparentemente (na óptica do cliente) inadequada, mais concretamente a questões de marketing de gosto, no mínimo, duvidoso. Mas essa é apenas a minha opinião, gostos são gostos...

Quanto ao número de pessoas, referi-me apenas à questão dos funcionários surgirem identificados quase todos como "Comercial", o que pode indiciar (talvez para uma mente um pouco mais perversa como a minha, reconheço-o) que não serão ajudantes nem administrativos, mas sim colegas que andam em busca de falecimentos. Acredito que alguns façam um pouco de tudo, mas para um cliente teria mais lógica vê-los com essa "especialização". Mas ao menos andam de fato clássico.

Mas novamente, agradeço o comentário.