segunda-feira, março 23, 2009

Quase, quase...

Hoje quase atropelei um tipo na passadeira.

Não é que tivesse grande culpa, a dita passadeira era practicamente invisível, de tão desgastada que estava, já era noite e não tinha iluminação na zona, e o homem apareceu de repente.

Ao passar por ele, fiz o gesto de que não o tinha visto. Esperava eu, na minha infinita boa fé nos homens, que o homem, de meia idade (mas já bem passado dessa metade), percebesse que eu queria dizer que não deve atravessar uma passadeira assim, porque mesmo tendo esse “refúgio” da passadeira, não quer dizer que deixemos de prestar atenção às viaturas dos senhores automobilistas conscenciosos, mas que não prevêem o futuro próximo. Pelo menos, não ao ponto de saber quem vai atravessar a estrada nos próximos minutos.

Mas não, o homem lá ficou a esbracejar, como se eu lhe tivesse chamado de filho disto ou daquilo.

Enfim...

Ainda pensei em parar. Em explicar o que eu quis dizer. Tudo em ambiente de extrema cordialidade, claro, não queria eu que o velhote rebentasse uma veia com a irritação de pensar que o tinha chamado de amblíope anormalóide. Mas achei melhor deixá-lo ficar, aos saltitos lá no cantinho da passadeira, a extravasar toda a fúria contida do dia-a-dia. Provavelmente até ajudei a que hoje à noite haja menos uma cena de pancadaria conjugal, aquele há de chegar a casa de tal forma cansado dos saltinhos que dava que não deve ter forças nem para erguer a 14ª bejeca.

Mas aquilo fez-me lembrar de um episódio, passado já há mais de 10 anos. Andava eu na saudosa Faculdade, a antiga, na Rua dos Bragas, cuja estrada de saída dava para a Praça da República. Oras, circundando esta praça, quem vem da direita, no cruzamento da rua que vem do Viaduto (ou do JN, como queiram, ou ainda do Pérola Negra), não tem prioridade. Pelo menos, naquela altura, não tinha. Não sei se ainda será assim. Naquela altura, estava lá visível o triângulo invertido.

Pois um neca, nos seus 50 anos, mete-se “à la gardére” (agradeço que me corrija quem souber) à minha frente. Claro, dou uma buzinadela, que nem é nada meu timbre. Mas ia com dois colegas no carro, há que não dar parte fraca.

Reparo que o meia-leca olha para mim, pelo retrovisor. Então aproveito e digo-lhe que não tem razão no que fez. Sim, com o dedo indicador, não foi com o dedo do meio...

O homem passa-se, e começa a vociferar e esbracejar dentro do carro, seguramente a dizer-me que serei filho de alguma meretriz de má sorte. Oras, disso já não gostei, e ultrapassei-o.

Agora era a minha vez: olhei-o pelo espelho retrovisor e indiquei-lhe que me viesse dizer aquelas simpatias cara-a-cara.

E foi o que ele tentou fazer... Atravessa-se à minha frente com o seu Rover de gama média, também ele de meia idade, e pára.
Eu penso em sair e desancá-lo à pancada, mas o lado racional prevalece, e quando o homem sai do carro, arranco e passo-lhe ao largo.

Estranhamente, isto deixou-o mais furioso ainda! Vá-se lá entender as pessoas.

Voltou a fazer o mesmo, a fechar-me, desta forma sem hipótese de me deixar passar pelo lado. Ia mesmo ter que o enfrentar.

Deixei que ele saísse do carro. Talvez a caminhada dos 8 ou 9 metros que separavam os nossos carros o fizessem pensar na vida e acalmar. É que o homem era mesmo pequeno, daí a demora.

Essa pequenez notou-se mais quando saí da minha viatura (saudoso Punto 6 Speed). Os meus colegas saíram antes, por estarem bem treinados para estas situações, e armaram as 3 ventoínhas que andam sempre comigo em posições estratégicas, para dar aquele efeito de vento pelos cabelos ao sair do carro, e assim aumentar a carga dramática. Um deles ainda conseguiu colocar a cassete dos Metallica no leitor do carro, para enfatizar o horror da cena.

Quando o minorca chega à minha beira, aos berros de que eu era isto e aquilo, repara que me dá abaixo das tetas. Era mesmo baixito.

Eu esbocei uma reacção, ainda e sempre na tentativa da calma. E começo por tentar dizer “Desculpe, mas o senhor não tem razão, eu tinha prioridade”

Mas ele não me deixou acabar. Aliás, mal comecei. Assim que eu disse “desculpe...”, ele responde rapidamente “Está desculpado!”, vira-se e pisga-se...

Não sei, eu acho que tinha os dentes lavados, ele lá devia ter alguma coisa contra homens altos...


PS: Algumas partes da narrativa foram propositadamente hiperbolizadas para aumento da intensidade dramática... Mas cerne do episódio foi real!

3 comentários:

Anónimo disse...

ora bem, vamo' lá a ver...
Andrew: a expressão “à Lagardère” é utilizada quando alguém faz algo com atrevimento, ousadia ou coragem, mas sem medir bem as consequências para si próprio.
esta expressão refere-se a Lagardère, herói da obra de Paul Féval intitulada Le Bossu (O Corcunda) e publicada em França em 1858. esclarecido?
os amigos são para as necessidades (deste tipo, claro!).

mas gostei da referência ao Pérola Negra! ...e ao Punto 6 Speed, i.e. um Fiat!
eheh...

abraço,
Monteiro

Anónimo disse...

Engraçado e eu k toda a vida ouvi a expressão á lá gardene, querendo dizer armar-se em parvo, cada terra seu uso
beijinhos

Anónimo disse...

"à Lagardère"!!!!!!!
:)

abraço,
Monteiro